Amor que se multiplica

Talvez quem nunca teve um animal de estimação não saiba do que eu estou falando, mas tenho certeza que grande parte dos leitores irão se encontrar neste texto. Afinal, o sucesso de romances como: “Marley e eu” ou “Sete vidas de um cachorro” não é por um acaso. Podem comer todos os seus sapatos e móveis, roubar sua comida, fazer sujeira onde não deviam, dar gastos e preocupação, te prenderem em casa, entre tantos outros contratempos, porém, como resistir às peraltices inocentes, à explosão de alegria que acontece quando você chega em casa, ao companheirismo e amor incondicional? Éh! Como diz uma amiga minha: “Quem é cachorreiro se identifica!”.

Minha história com esses serezinhos de quatro patas começou muito cedo, tanto que se passei algum ano da minha vida sem a companhia de um deles eu nem me lembro! Afinal, minha mãe pegou minha primeira cachorra quando eu ainda era um bebê.

– Tia, fica com ela. Se você não pegá-la, ela vai morrer!

Frase usada pelo menino que bateu na porta de casa com uma bola minúscula de pelos dentro de uma caixa. Não sei se minha mãe ficou com mais dó da criança que implorava ou do animalzinho acanhado que a olhava e, mesmo tendo uma criança pequena, acabou pegando a cadela. O menino não era só marqueteiro, ele realmente falava a verdade, pois a pequena, assim como toda sua ninhada, estava com parvovirose e, por pouco, não morreu. Foi batizada de Xuxa, nome dado a ela em homenagem a minha apresentadora favorita (acredito que tenha sido um nome muito popular nos anos 90), e essa cadelinha reinou absoluta por toda a minha infância e de meu irmão. Naqueles tempos, não era costume criar animais dentro de casa, mas nem por isso os amávamos menos. Ela era dócil, muito amável e inteligente; aguentou duas crianças que a apertavam, esfregavam e cutucavam, sem reclamar. Cresceu junto com a gente e quando já estava entrando em sua terceira idade, para a sua felicidade, meu avô comprou uma chácara e ela começou a nos acompanhar nos passeios até lá. Mas, em uma dessas viagens, no auge de seus setenta anos humanos, a Xuxa resolveu engravidar. Ninguém a avisou que uma gestação em sua idade poderia ser perigosa e, de fato, foi. O parto foi complicado, vários filhotes nasceram mortos e Xuxa teve que fazer uma cirurgia de emergência para tirar o útero. Depois disso, ela não conseguiu mais alimentar sua cria e acabamos fazendo esse serviço por ela. Apesar de toda a tragédia, para nós, que éramos crianças, a situação toda era uma festa. A casa estava cheia de filhotinhos fofos e nós podíamos os alimentar de verdade com chuquinhas de bebê! Que criança não iria gostar disso? Mas, para minha mãe não deve ter sido nada fácil! Lembro um dia que ela teve que correr com a Xuxa para o hospital porque seus pontos se abriram.  Com certeza, foi difícil achar um taxista que aceitasse levar uma cachorra com a barriga aberta no banco do passageiro. Felizmente, mesmo com todos os percalços, tudo deu certo, Xuxa ainda viveu muitos anos mais e nós ficamos com duas de suas filhas: a Docinho e a Lalesca.

Docinho teve uma passagem rápida pela Terra, assim como sua mãe, as duas cadelinhas contraíram parvovirose e ela, infelizmente, não sobreviveu, ao contrário de sua irmã, Lalesca, ou para os mais íntimos, só Lesca mesmo. Seu nome foi dado graças a uma personagem da novela “Sonho meu” (não me pergunte que folhetim era esse, porque não vou me lembrar) e ela foi um dos animais mais inteligentes que já tivemos em casa. Tinha muita força física e pulava alturas enormes. A vizinha morria de medo que a Lesca fosse parar do lado dela do quintal, já que a danada pulava e se pendurava no muro de quase três metros de altura. Ela viveu muito bem com sua mãe em nossa casa e também fez visitas regulares à chácara de meu avô. Se tinha uma cachorra que gostava daquele lugar, era, com certeza, a Lalesca. Já na primeira vez que a levamos para lá, não quis mais voltar. Meu pai teve que, literalmente, correr atrás dela o terreno todo por mais de meia hora para conseguir coloca-la dentro do carro. E foi lá, na chácara da “fertilidade”, que ela também ficou prenha. Mas, ao contrário da Xuxa, sua gravidez e parto foram ótimos, fazendo com que, para o desespero da minha mãe, ela tivesse nove filhotinhos fortes e saudáveis. Foi uma festa vê-los crescer enquanto atingiam uma idade boa para serem doados. Meu irmão e eu colocávamos os bichinhos no chão em fileira para que eles apostassem corrida, como eles ainda não sabiam andar, se arrastavam pelo quintal igual aquelas tartaruguinhas que nascem e fazem seus caminhos para o mar. Quando minha mãe precisava lavar a bagunça, ela os colocava em uma caixinha e prendia a mesma dentro do carrinho de feira, só que a caçula sempre conseguia abrir a portinhola do carrinho, e guiar seus irmãos para a liberdade. Tivemos sorte de todos eles serem adotados, mas foi dolorido vê-los partir. De toda a ninhada, ficamos com uma, justamente com a caçula revolucionária.

Laila ainda teve tempo de conviver com sua avó, Xuxa, e sua mãe, Lesca. Xuxa não tinha sido muito paciente com seus filhos, mas vó é vó, não é mesmo? Então ela deixava com que a Laila mordesse o dia inteiro sua orelha, sem reclamar. Elas ainda eram criadas no quintal, mas agora já tinham mais liberdade de ir e vir, praticamente só dormiam fora de casa. A que minha janela do quarto dava para o quintal, então nós amarrávamos um petisco no final de um barbante e jogávamos do segundo andar para cair em cima do varal e assim conseguíamos controlar a altura em que as iscas ficavam penduradas, enquanto as cachorras tentavam pegar. Chamávamos a brincadeira de “pesca cachorros”, mas, na maioria das vezes, somente a Laila tinha energia suficiente para ser pescada. A Xuxa teve um tumor e acabou falecendo. Engraçado foi parecer que ela havia pressentido sua hora, porque estava conosco na sala e do nada só levantou e se afastou, como se não quisesse nos incomodar com a sua partida. Anos mais tarde, a Lalesca pegou uma doença grave, da qual conseguimos curá-la, mas que a deixou com sequelas e um ano depois ela acabou indo se encontrar com sua progenitora. A morte dela não foi fácil, ela acabou sofrendo um pouco para partir. Eu já estava na faculdade nesse tempo e ficava estudando para as provas enquanto fazia companhia a ela em sua internação. O caso dela era tão delicado que chegamos a cogitar a possibilidade de sacrificá-la, mas só de pensar nisso já doía o coração, então conversei com ela uma noite, agradecendo por tudo e dizendo que ela poderia ir embora, que se fosse sua hora seria melhor assim. No outro dia, ela já havia partido. Com isso só sobrou a Laila, e depois de muitos anos com mais de um cachorro em casa, ela voltou a reinar absoluta. Foi ela que acabou fazendo a transição entre ser criada no quintal e ir para dentro de casa em definitivo, já que ficamos com dó de que ela dormisse sozinha do lado de fora. Mesmo não sendo castrada e frequentando a chácara da “fertilidade” com regularidade, a Laila não teve cria e talvez essa tenha sido a maior frustração de sua vida. Todo cio Laila tinha gravidez psicológica, suas mamas enchiam de leite que tínhamos que secar para não empedrar, ela criava em sua casinha vários ursinhos de pelúcia como se fossem filhotes. Em uma destas ocasiões, até mesmo um rato morto ela chamou de seu filho. Foi duro conseguir tirar o corpo do animal de perto dela, afinal ela era uma mãe super protetora.

Quando já estava em sua terceira idade e achando que iria usufruir de uma velhice com todo o conforto e regalia, surgiu em nossas vidas o Marley. Sim, seu nome foi dado graças ao filme, pois assim como o caos que a tempestade de granizo a qual o trouxe deixou na cidade, ele também o fez em nossa casa e nas nossas vidas. O bicho era incontrolável! Acabou com todos os móveis da casa, derrubava tudo o que via pela frente, mordia nossas pernas insaciavelmente, abusava de todas as almofadas que via, nos enfrentava se tentávamos lhe impor limites, foi expulso de três petshops seguidos por acabar com o banho e tosa, além de, é claro, querer mostrar que era o macho da casa fazendo xixi em cada canto possível. A Laila rosnava para ele mesmo que esse passasse a metros de distância dela, talvez por isso ela tenha morrido de infarto. Mas não podemos reclamar, porque de todos os cachorros que passaram por nossas vidas até o momento, foi ela quem teve uma morte mais tranquila. O Marley foi castrado, mas nem isso melhorou seu comportamento, continuava terrível. Foi só anos mais tarde, talvez tenha sido a maturidade ou a quantidade de remédios que ele toma, que ele acabou ficando mais tranquilo. Com seus quatro anos de idade canina, descobrimos que o Marley era epilético e para controlar suas crises de convulsão o levamos a vários veterinários e especialistas. Hoje em dia ele está estável e, apesar de ser um gorducho rabugento e manco, tem uma qualidade de vida muito boa. Também, fazendo acupuntura toda semana até eu, não é mesmo?! Brincadeiras a parte, o Marley com certeza foi e ainda é o maior desafio que tivemos até então. Mas o amor não se escolhe, ele simplesmente acontece!

E para encerrar essa lista que provavelmente não terá seu fim aqui, não posso deixar de falar da Mel. Ela surgiu dois anos após o Marley, quando um dia resolveu me acompanhar do serviço até em casa. Eu entrei e ela ficou sentada do lado de fora olhando para mim. Minha mãe ficou alucinada porque não queria mais cachorros em casa então ligou para o meu pai pedindo para que ele desse um jeito naquela situação. Eu fui para um curso que fazia na época e quando voltei, mais de onze horas da noite, minha mãe olhou para mim e disse:

– Vai ver lá no fundo o fim que seu pai deu na cachorra…

Quando eu saí, lá estava a Mel, toda feliz abanando o rabo para mim. Ela é possivelmente a cachorra mais meiga e simpática que eu já tive até o momento. Faz amigos por onde passa, as pessoas vão até o portão de nossa casa só para visita-la, acho que se ela concorresse ao cargo de vereadora da cidade, ganharia. É caçadora nata, tudo que se move ela corre atrás e até bem pouco tempo, todas as vezes que precisamos leva-la ao veterinário foi por conta de alguma coisa que ela comera. Em uma destas ocasiões, a Mel apareceu com a boca toda inchada e descobrimos que foi por causa de uma abelha que a picou durante sua caçada. Assim como a Lesca, ela é muito inteligente, só que, ao contrário da primeira, a Mel é extremamente obediente. Meu vô vendeu a chácara, mas mesmo que a propriedade ainda existisse na família, ela não engravidaria lá, porque foi castrada. Porém, com certeza, iria adorar aquele lugar! Atualmente, ela e o Marley são meus filhos peludos do momento e por mais que nos deem gastos e preocupações eu não iria querer a vida de nenhum outro jeito. Afinal, esse amor que se multiplica só quem é “cachorreiro” explica!

3 comentários em “Amor que se multiplica”

Deixe um comentário