Lembro na minha infância das propagandas de cigarro com cenas de cavalos correndo soltos pelos campos, simbolizando a liberdade que o fumo trazia aos seus consumidores. Nada poderia ser mais viril e libertador do que um cavaleiro com o seu pacotinho de nicotina.
Atualmente tivemos duas cenas marcantes envolvendo os mesmos equinos. A primeira nas enchentes do Sul em 2024, quando a imagem do resgate de um cavalo em cima do telhado de uma casa tomou conta das redes sociais e tornou-se símbolo da resiliência, união e força daqueles que viviam aquela situação calamitosa. Ninguém ficou para trás, nem humanos, nem bichos. Por outro lado, nesta semana, um outro cavalo virou notícia, infelizmente, de uma forma muito menos honrosa. Ao cair de exaustão, suas patas foram decepadas e ele foi deixado para morrer ao relento. O que as duas histórias têm em comum? Somente o animal.
Ao contrário do que muitos pensam, a crueldade contra animais, tristemente tão comum para quem está no meio da causa, não é um fato isolado e tampouco se resume a um: “é só um animal”. A questão é muito mais profunda e complexa do que isso.
Um ato de tal brutalidade com um ser que sente medo, dor, frio, calor, fome entre tantas outras coisas, revela muito mais sobre o estado mental de quem o praticou do que a relação dominante e dominado. Estudos revelam que há uma forte relação entre psicopatia e maltrato de animais. E é até fácil entender essa ligação, seria um ser vivo que vira objeto de curiosidade para extravasar seus instintos mais sombrios sem grandes consequências. Hoje é uma paulada num cachorro, uma bombinha em um gato, um cavalo que não queria mais cavalgar. Amanhã será o quê? A parceira (o) que não quer mais o relacionamento? A herança dos pais? Um fetiche? E se maus-tratos contra animais é uma constante, o que podemos dizer da sociedade que estamos construindo?
As leis quase inexistentes e a falta de punição fazem com que quem pratique tais crimes não tenha medo das consequências. Banalizar tais atos de maldade somente por ser “só um animal” traz um reflexo negativo para a própria sociedade. Ao abandonar um animal doméstico você não está só “se livrando” do seu “problema”, está contribuindo para a superpopulação nas ruas, aumento de ataques e zoonoses. Ao ignorar um ato de crueldade contra um animal, você está fechando os olhos para um tremendo sinal de alerta de qual será o papel daquele indivíduo dentro da sociedade no futuro.
Que o amanhã tenha mais cenas de cavalos no telhado e que aprendamos que coexistir não é sinal de fraqueza e, sim, de sobrevivência.
