O dia em que a Terra parou

Talvez o momento que vivemos hoje seja propício para parafrasear Raul Seixas, provavelmente nem mesmo ele sabia que sua canção seria uma verdade tantos anos após sua criação. Estamos vivendo um momento histórico no mundo. De incertezas, inseguranças e divisão de opiniões, um tempo onde nações do planeta inteiro, não importando o tamanho de sua economia ou poder armamentista, estão se curvando ao invisível.
Como batalhar contra algo que nem, ao menos, podemos enxergar? Tomamos precauções e cuidados, mas nem sequer sabemos se, ainda assim, o inimigo estará à espreita, somente esperando o momento certo para nos atacar. Ah, e ele tem nos atacado! Mais de 530 mil feridos e 24 mil mortos. Diante de tamanho poder de fogo, lideranças do mundo inteiro se perguntam qual é o melhor caminho a se seguir. Várias ideias foram discutidas, mas o consenso comum entre os especialistas é que a melhor estratégia de contra-ataque seria o isolamento social. A Terra parou! Não por vontade, mas por necessidade.
Mesmo com todos os exemplos e provas que temos visto ao redor do globo sustentando que o isolamento é a melhor estratégia, ainda há pessoas que são contrárias à ideia. Com discursos de que o país não pode parar, de que a economia irá afundar e que a fome mata muito mais do que um vírus, estas pessoas imploram, com argumentos rasos, para que todos voltem às suas rotinas normais. Vamos imaginar o seguinte cenário: suponhamos que a partir de hoje, as crianças voltem a ter aulas e as pessoas a suas empresas e as ruas, ignorando a Covid-19 e tratando a doença como outra qualquer. O Corona é um vírus altamente contagioso, isso porque ele somente começa a dar os primeiros sintomas após 5 ou 6 dias do contágio, neste meio tempo, a pessoa infectada estará “saudável” provavelmente contaminando mais duas ou três pessoas em sua rotina habitual.  Então, sendo otimistas, podemos pensar que, sem cuidados, pelo menos metade da população do país iria contrair a doença. Somos mais de 200 milhões, isso seria 100 milhões de pessoas infectadas. “Ah, mas esse vírus só mata idosos, a maioria dessas pessoas não sentiria mais do que uma gripezinha”. É verdade que a grande maioria dos casos não são graves, porém estimasse que 1 a cada 10 infectados precisará ser hospitalizado, ou seja, nesta hipótese, seriam 10 milhões de pessoas. Nosso sistema de saúde, já tão precário, do qual sempre vemos notícias de pessoas sendo atendidas em corredores por falta de leitos mesmo sem pandemia, aguentaria esses números? A resposta é um alto e sonoro NÃO. Não conseguiríamos atender nem a 3% desse número ao mesmo tempo. Isso porque nem estamos contando as pessoas que iriam precisar de um tratamento intensivo com aparelhos, pois, neste caso, os números seriam ainda menores. “Ah, mas eu tenho plano de saúde!”. Que ótimo para você! Além de ser um pensamento um tanto quanto egoísta, ele de nada te ajudaria em uma situação de superlotação como esta, pois mesmo que você tenha o melhor convênio do mundo, você não seria atendido, simplesmente por não haver estrutura para isso. Infelizmente, a exceção a esta regra seria o próprio presidente e alguns outros nomes que insistem nessa ideia de que não há motivo para tudo isso, já que pelos seus cargos e dinheiro acabariam virando prioridade, tirando leitos de outras pessoas que, talvez, tivessem mais chances de sobreviver do que eles. Mas não se iluda, pois a maioria da população brasileira não teria o mesmo privilégio. Talvez seja por isso que o maior líder do país esteja tão despreocupado, ou quem sabe seja o seu porte atlético que o faça dormir tranquilo à noite. O fato é que, independente de você estar fora do grupo de risco ou ser atleta a vida toda, a doença pode se agravar e você pode precisar ser hospitalizado, a única diferença para outros grupos é que você teria mais chances de sobreviver, mas de qualquer forma estaria ocupando um leito de hospital. Seguindo esse mesmo cenário, a taxa de mortalidade da Covid-19 é de 1% dos infectados (dados mundiais, em São Paulo esta taxa está em 5%), é uma taxa baixa, de fato, mas 1% de 100 milhões é a bagatela de 1 milhão de vidas. É uma matemática bem lógica, até para mim que sou da área de humanas: quanto mais gente infectada, maior será o número de mortos. Se chegarmos a isso, não teremos onde colocar corpos, fato que já acontece em outros países com uma população muito menor e consequentemente com menos mortes. Nesse ponto, não seria mais só o sistema de saúde do país que estaria abalado e sim todas suas estruturas. A economia, que já está em crise (afinal somos um mundo globalizado e desde que o vírus estava somente na China as bolsas e o dólar vinham sofrendo com o seu impacto), despencaria. E o pior de tudo, seria um prejuízo local, pois, embora o mundo todo esteja passando pela mesma situação, a decisão de tratar a doença como outra qualquer e deixar com que ela se espalhasse como quisesse, provavelmente indo na contramão do resto do planeta, seria somente nossa. Para que saíssemos de tal situação, o isolamento seria obrigatório e não mais só necessário, levando mais tempo para acabar, já que o vírus estaria muito disseminado.
O estado de São Paulo adotou a política do isolamento social há quase duas semanas. As escolas foram as primeiras a fecharem e liberar seus alunos e corpo docente para reclusão domiciliar. Mas foi nesta semana que, efetivamente, o estado parou, já que os comércios também fecharam suas portas. Mas é claro que nem todos encerraram suas atividades. Médicos e profissionais da saúde, que atuam na linha de frente, ainda trabalham incansavelmente para conter o vírus e atender a população, assim como serviços essenciais, que foram autorizados a permanecerem abertos, atendendo a demanda da sociedade enclausurada. Porém, mesmo aqueles que não entraram nesta lista, deram o seu jeito para continuar com suas atividades enquanto seguem o protocolo de isolamento. Muitas empresas continuam atuando com o esquema de home office e aquelas que, por ventura, não conseguem liberar todos os seus funcionários para trabalhar em casa, estão fazendo rodízio entre os mesmos, dando férias, tudo para manter a quantidade de pessoas circulando nas ruas a menor possível. Restaurantes, bares e serviços em geral adotaram o sistema delivery para continuar vendendo sem que as pessoas precisem sair de casa. Tais medidas faz com o que o estado continue produzindo. Claro que há setores que estão sendo muito afetados com esta nova realidade, como é o caso de serviços de evento e cultura, afinal se não pode haver aglomerações, consequentemente suas atividades ficam fora de questão. Há empresas que, preocupadas com o futuro, reduziram seus quadros de funcionários antes que a crise afetasse seus bolsos. Microempresários e autônomos também sofrem as consequências, pois muitos deles, sem contar com uma reserva, dependem de suas rendas para ter um salário no final do mês. E sim, o governo tem a obrigação de pensar em um plano de ação para ajudar estas pessoas neste momento de reclusão. É certo que toda essa pandemia e os métodos que estão sendo adotados para contê-la estão e estarão trazendo consequências a curto, médio e longo prazo. A economia mundial sofreu e continua sofrendo um baque enorme. O desemprego em massa e a falência de empresas são realidades que podem vir a existir se isso perdurar, por isso muitos se apavoram com suas vidas financeiras em um futuro iminente.
Em ambos os casos perdemos. Podemos até ganhar a guerra contra o invisível, mas de qualquer maneira teremos grandes consequências e mais crises a enfrentar pela frente. Cabe a nós discernir qual é a melhor estratégia para o presente, deixando de lado convicções políticas, disputa de poder ou mesmo o egoísmo. Talvez nossos governantes não tenham essa capacidade de entender que a situação atual exige união, mesmo que estejamos afastados fisicamente, mas nós, como cidadãos do mundo, temos a capacidade de mostra-los que podemos ser diferentes. A situação econômica é algo preocupante e que já afeta o mundo todo. Pode levar anos até nos reergamos, contudo, quando esta pandemia acabar, se soubermos agir com discernimento e solidariedade, poderemos reverter estes danos juntos, afinal todos estarão na mesma situação, recomeçando do zero. Mas o mesmo não poderemos dizer das vidas que perderemos nesta guerra, porque estas, uma vez findas, não poderão retornar. Será que vale mesmo a pena arriscar?

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