Matheus estava finalizando a sua primeira semana de trabalho no Instituto. Enquanto checava alguns e-mails para verificar se estava tudo em ordem e encerrar seu expediente ele pensava em quão satisfeito estava com a sua vida naquele momento. Também pudera, tinha se formado recentemente, ganhado uma sobrinha linda e ainda conseguira um emprego dentro de uma instituição de renome dentro da área como aquela! Tudo estava caminhando como planejado. O próximo passo era ficar ali por um ou dois anos no máximo, até adquirir alguma experiência e conseguir juntar dinheiro para fazer sua pós no exterior. Depois disso trabalharia por mais algum tempo em outros lugares até fazer seu nome no mercado e conseguir ter o seu próprio Instituto. Desligou o computador, pegou sua mochila e deixou a sala. Não conversou com ninguém até chegar ao lobby do prédio, fazia pouco tempo que estava ali, mas já tinha percebido que as pessoas nutriam certa antipatia com os funcionários de seu setor, até mesmo dentro dele as pessoas não eram muito sociáveis. Isso não o incomodava, ele sempre preferiu trabalhar sozinho a ficar de politicagem para com estranhos. Uma mulher alta de cabelos até os ombros pretos com pontas onduladas andava de um lado para o outro perto da porta de saída segurando uma criança no colo enrolada em um pano cor de rosa.
– Grazi? O que está fazendo aqui? – Matheus perguntou dando o dedo para que a menininha no colo da mulher o segurasse.
– Vim te buscar! Estava por perto e resolvi te dar uma carona já que estou indo para a mamãe. – A pequena bebezinha começou a rir, esticando os braços para Matheus e abrindo e fechando as pequenas mãozinhas. – E tinha alguém aqui que estava morrendo de saudades do tio!
– Me dê ela aqui! – ele disse sorrindo para a menininha. Ajeitou a mochila nas costas e pegou a criança no colo que abriu um sorriso largo fazendo uma pequena covinha na lateral do rosto. Matheus e Grazielle caminharam até o estacionamento.
– Vocês vão mesmo viajar hoje à noite para Campinas?
– Sim, temos a confraternização da empresa do Heitor esse final de semana e ele prefere dirigir a noite. Vamos sair logo depois do jantar na casa de mamãe – Grazielle respondeu enquanto sentava no banco do motorista e Matheus ocupava o banco de trás com a criança.
– Não estou gostando disso! Por que não vão amanhã de manhã? É perigoso pegar estrada com Sophia ainda mais a noite. – A mulher riu.
– Esqueci que estava falando com o meu pai! – Matheus bufou. Sua irmã olhou pelo retrovisor e viu o vinco que se formava entre seus olhos sempre que estava preocupado. Deu a partida no carro. – É uma viagem curta, e eu até prefiro ir hoje porque assim Sophia estará dormindo. – Ela olhou de relance para o irmão e ele continuava emburrado. Deu risada novamente. – Sério Má, você parece um velho de 80 anos preso em um corpo de 22! Relaxa! O que de pior pode acontecer? – Matheus bufou novamente e não respondeu.
O telefone estava tocando incessantemente, Matheus virou de um lado para o outro, quem seria uma hora dessas? Pegou o celular, mas era um número desconhecido, depois deu uma olhada no relógio, quatro da manhã. Resolveu atender.
– Matheus Nogueira? – a mulher do outro lado da linha indagou.
– Sou eu, quem fala? – disse já despertando por completo.
– Aqui é do Hospital Geral de Campinas, recebemos a entrada de uma Grazielle Mattos há algumas horas, algum parentesco?
– Sim, é minha irmã! – Com o coração já acelerado ele se levantou da cama indo pegar suas roupas.
– Sua irmã e o marido sofreram um acidente de carro, desculpe a urgência, mas preciso que venha para cá o quanto antes!
Matheus estava com os pensamentos em outro lugar quando Cláudia entrou na sala pedindo a atenção de todos e anunciando uma de suas competições idiotas para “estimular” os funcionários. Ele só levantou para pegar o briefing da nova tarefa e voltou a se sentar em sua mesa. Estava fazendo um ano hoje que sua irmã falecera, mas ele lembrava todo dia, como se fosse ontem, dele acordando sua mãe as pressas, pegando o carro e indo parar naquele hospital. Não chegara a tempo de se despedir de Gazielle, disseram que ela chegara viva ao hospital, ao contrário de Heitor, porém não resistiu aos graves ferimentos internos. Ele cuidara de tudo: todas as papeladas, liberação e transferência dos corpos, velório e enterro. Sua mãe não teve condição alguma de lidar com essas coisas e, como sempre, ele preferiu se fazer útil a lidar com seus sentimentos. Aos 22 anos ele se viu legalmente responsável por uma menina de seis meses de idade, talvez outros vissem a situação com desespero, depois de toda a tragédia ainda mais aquilo? Mas se ele podia tirar alguma coisa boa daquela noite terrível foi o milagre de Sophia ter saído quase com nenhum arranhão daquele acidente. Pegou suas coisas junto com o briefing e foi embora para casa, mais tarde daria uma olhada naquilo. Quando estava na recepção viu um rapaz moreno e alto, de cabelos espetados, pegar algo da mão de uma menina baixinha de cabelos claros e olhos verdes. Ele saiu correndo para rua e ela correu atrás do mesmo gritando seu nome e dando risada. O que era aquilo? Estavam brincando de pega-pega no prédio do Instituto?! Que casal mais estranho! Além de serem totalmente antiprofissionais.
Já era tarde da noite quando Matheus pegou a pasta com os arquivos da tarefa recebida para dar uma olhada. Lembrou-se vagamente de Cláudia dizendo que quem conseguisse se destacar nas pesquisas com aquelas informações faria parte de um projeto muito maior no futuro. Achou estranho todos aqueles dados, de onde tinham tirado tudo aquilo? Mas deu de ombros e jogou a pasta em cima da escrivaninha indo verificar Sophia antes de se deitar. Aquele prêmio estava no papo!