Maria ajudava a mãe e a tia na cozinha com os preparativos da festa. A ceia deste ano seria simples, pois a maioria da família tinha ido viajar, deixando poucos na cidade para as comemorações de final de ano. Ela puxou uma das cadeiras da mesa e sentou-se. Um pouco ofegante, colocou a cabeça para trás, fechando os olhos. Depois olhou para a barriga enorme, evidência de que logo uma nova vida estaria neste mundo, e a acariciou.
– Você está bem? – sua mãe disse se aproximando.
– Claro! Só queria descansar um pouco os pés – ela respondeu já pedindo a mão da mãe para ajudá-la a levantar. – Vamos, ainda temos muita coisa a fazer. – As duas sorriram uma para outra. Assim que ficou de pé ela sentiu o líquido escorrer por suas pernas, olhou para o chão e sorriu. Depois voltou a olhar para mãe com lágrima nos olhos. – Chame o João! A bolsa estourou.
Todos corriam de um lado ao outro da casa tentando resolver coisas como quem iria, o que levariam e como fariam. Maria já esperava sentada no banco do passageiro de um dos carros, respirando fundo a cada contração que vinha, engraçado como era ela quem estava em trabalho de parto, mas era justamente a mais calma em toda aquela situação. Por fim decidiram ir todos juntos ao hospital. Maria, sua mãe e João ocupavam o carro que encabeçava a fila, logo atrás vinham seus tios e primos e mais um terceiro automóvel com seus avós. A rodovia estava completamente parada, já tinha se passado mais de meia hora que estavam ali e mesmo assim pouco foi o avanço feito. Era estranho pensar naquele fluxo tão grande justamente na véspera da virada do ano, quem é que arriscaria passar o feriado no congestionamento? Aparentemente muita gente! E lá vinha mais uma contração. Maria segurou no banco e respirou fundo, segurando o grito de dor.
– Não acredito que isso está acontecendo justo hoje! Já era para estarmos lá – João lamuriou inconformado enquanto andava mais uns poucos quilômetros para logo em seguida parar novamente. Ele tentou pensar em outro trajeto, mas a cidade era pequena, e infelizmente o único caminho disponível para o hospital era aquele, o que não seria problema em um dia qualquer, porém para o seu infortúnio, aquela era também uma estrada muito utilizada para destinos turísticos diversos naquela época do ano e o resultado não poderia ser outro. Ele começou a buzinar. Maria soltou outro gemido de dor, o espaçamento entre as contrações estavam diminuindo.
– Pare com isso João, esse barulho todo só está atrapalhando! Não está vendo que ela está com dores? – sua sogra disse segurando a mão de Maria por entre os bancos.
– É justamente por isso que estou fazendo, temos que chegar lá rápido, a senhora tem uma sugestão melhor? – ele respondeu emburrado. O congestionamento ia de ponta a ponta da estrada e nenhuma das filas com dúzias e mais dúzias de carros dava sinal de que iria avançar. Maria viu pelo retrovisor que seu tio saia do carro de trás, enquanto sua tia assumia o volante, e correu até a janela de João. O que mais poderia estar acontecendo agora?
– Tem uma ambulância logo ali na frente, vou correr lá e explicar a situação, enquanto isso tente chegar até ela – ele disse e sem esperar por uma resposta saiu em direção ao veículo.
João começou a buzinar freneticamente e a jogar o carro para cima dos outros para que estes abrissem caminho para ele. As pessoas começaram a xingá-lo, mas ele não se importou, bom mesmo era que a tática estava funcionando, logo chegariam a ambulância. Maria gritou novamente de dor, estava vindo cada vez mais rápido e demorando mais para passar. Ela já não conseguia mais controlar os ânimos. Ao longe, seu tio voltava seguido de um paramédico, que se apresentou e sem cerimônias abriu a porta do passageiro pedindo para que o outro homem o ajudasse a colocar Maria deitada no banco de traseiro do carro e assim que a acomodaram, ele começou a examiná-la.
– Não temos mais tempo, ela terá o bebê aqui! – ele anunciou. Todos olharam espantados para o paramédico que já se arrumava para o procedimento.
– Não, por favor, eu aguento! – Maria implorou – Me coloque na ambulância e ligue a sirene – ela completou ofegante.
– A ambulância está ocupada! Estávamos prestes a ligar a sirene quando esse homem apareceu contando do seu caso. Mesmo que vocês nos sigam, não vai dar tempo, seu bebê está prestes a nascer!
Maria gritou mais uma vez de dor, desta vez o paramédico não esperou por uma resposta e correu até a ambulância, voltando com uma maleta cheia de aparatos médicos. Ele pediu para que a levantassem um pouco, cobriu suas pernas com um pano e colocando sua cabeça abaixo do tecido pediu para que ela fizesse força assim que sentisse o próximo movimento. Maria não sabe quanto tempo passou ali, se fora minutos ou horas. No começo até conseguiu ver sua família e os estranhos que se acumulavam ao redor do carro para ver o que acontecia, ainda conseguia conjecturar, mesmo com as dores e ao esforço, se perguntando o porquê daquilo estar acontecendo com ela. Ainda conseguia pensar que não queria que seu bebê viesse ao mundo daquele jeito. Mas em um dado momento, suas forças se esvaíram e ela somente repetia, mecanicamente, o que lhe era pedido, até que finalmente, como em um passe de mágica, não sentiu mais a necessidade de fazer força, deixando-se cair no banco com a cabeça para o lado. O barulho dos estrondos dos fogos explodiu forte em seus ouvidos e suas luzes invadiram o céu escuro da noite. Ela escutou pessoas gritando de felicidade e se cumprimentando. Que coisa mais linda! Pensou enquanto assistia as luzes coloridas explodirem no céu. Parecia que todos estavam comemorando a chegada de seu bebê ao mundo! Maria mal conseguia escutar o choro de sua criança tanto era o alvoroço feito do lado de fora do veículo e foi por este motivo que somente quando o paramédico aconchegou o pequeno pacote quentinho em seu peito e ela conseguiu olhar diretamente nos olhos de sua filha que percebeu do que tudo aquilo se tratava.
– Parece que você e o novo ano nasceram juntos, minha pequena – ela disse sorrindo. – Bem vinda ao mundo! – falou, beijando a testa de seu neném e aconchegando a pequena criança em seu corpo. Mesmo exausta, seu coração se encheu de alegria e esperança. Mas que ironia aquela, o pior dos cenários possíveis para um final de ano acabou se tornando o melhor dos começos.