Diário de um Cão – A Maloqueira

Diário, resolvi dar uma pausa nos meus relatos diários porque precisava contar mais uma que minha mãe aprontou. Eu a amo e sei que nascemos um para o outro, mas, às vezes, eu acho que ela é completamente pirada! Você me dará razão quando souber o que foi que aconteceu.

                Em uma noite de chuva, muita chuva, daquelas que eu me tremo todo com os raios que anunciam o fim do mundo, a mamãe resolveu sair com a vovó. Eu já achei isso um absurdo! Sair, logo após o dilúvio, e demorar daquele jeito para voltar? Mas, o pior nem foi a saída, foi ter voltado com aquela “coisa”. Sim, diário, é isso mesmo o que você está pensando, ela trouxe outra cachorra para casa naquela noite. Eu não acreditei! Meus humanos não tinham limites. Primeiro foi minha irmã de sangue, depois a baixinha folgada, mamãe trouxe o intruso (ainda bem que desse nos livramos) e agora ela colocava dentro da casa da vovó uma maloqueira. A novata estava dopada, pois sustentava um olhar lesado e ficava rosnando para a gente, mesmo parecendo não nos enxergar. De que bocada minha mãe tinha tirado essa agora? Percebi, naquele momento, que eu era o único ser sensato da casa atrás da porta, já que minha mãe, aparentemente, tinha perdido completamente o juízo.

                Mamãe ficou bajulando a novata, como se ela tivesse doente. Mas eu sabia a verdade, sentia o cheiro de analgésicos de longe. Quando foi hora de ir para casa, mamãe se levantou, pegou a doidona no colo e foi embora. Em um primeiro momento, achei que ela tinha recuperado um pouco da sensatez que lhe faltava e estava indo devolver a novata para o lugar de onde a havia tirado, e logo voltaria para me buscar. Mas, fiquei esperando a noite toda na casa da vovó e a mamãe não voltou. Assim que amanheceu, me preparei para fazer um escândalo e alertar a todos sobre o sumiço da minha mãe. Afinal, com certeza, aquela maloqueira tinha sequestrado a minha humana. Mas, quando eu estava prestes a uivar, mamãe, finalmente, chegou. E não estava sozinha, tinha trazido a doidona com ela.

A cachorra seguia minha humana para todos os lados. Sentava-se ao lado dela quietinha, com um olhar inocente, só observando. Mamãe não parava de elogiá-la, dizendo como era boazinha e educada. Minha humana estava cega! Eu conhecia aquele tipinho de longe e precisava fazer alguma coisa para alertar a minha família sobre o perigo de ter aquela cachorra por perto. Então, fiz o que faço de melhor: lati. Lati o dia inteiro. No ouvido da novata, no das minhas irmãs, no da minha mãe. Mas ninguém me deu ouvidos, só acabei levando bronca mesmo. À noite, minha mãe se preparou para me levar para casa, mas, quis levar a maloqueira conosco. Eu fiquei inconformado! Como que ela queria profanar nosso querido lar com a presença daquela intrusa? Contudo, quando cheguei em casa, o pior já tinha acontecido. O cheiro da doida estava espalhado por toda a casa atrás da porta. Aquilo era um absurdo! Ela já tinha estado ali e, sem mim. Decidi me apossar de tudo que era meu: minha caminha, meus brinquedos, o sofá, a cama da mamãe. Só para ela entender que aquilo tudo tinha dono. Se a mamãe estava enfeitiçada com sua magia, eu, o único lúcido, tinha que proteger nossa casa.                

Faz quase dois meses que esse dia fatídico aconteceu e a cachorra continua conosco. Ela recebeu um nome, Maya, mas, para mim, combinaria mais com Alucinada. Como eu previ, aquela carinha de santa e bom comportamento só durou nos primeiros dias, depois que ela já tinha reconhecido o ambiente e com quem estava lidando, começou a mostrar as asinhas. Eu amo minhas humanas, mas a verdade é que elas são muito tontas quando se trata de animais. A novata é muito louca! Não para um segundo. Mamãe diz que ela seria uma companhia para mim, mas a bicha é tão maluca que chega a me dar medo algumas vezes. Mamãe e vovó perceberam a encrenca em que se meteram, mas agora era tarde demais. Eu avisei, mas ninguém me escutou… Maya pega tudo o que vê pela frente. Já destruiu chinelos, roupas, brinquedos… Outro dia, mamãe e vovó saíram correndo atrás dela pela casa, xingando-a de tudo que era nome. Eu só escutava um passarinho piando dentro da boca dela toda vez que passava por mim. Mamãe conseguiu agarrá-la e tirar o coitado de lá. Por milagre, ele ainda estava vivo e o reconheci como uma das aves do vovô. Desde que o vovô foi para o lugar onde o tio Marley está e não voltou mais, eu não gosto que mexam em suas coisas. Mas, confesso, que parte de mim chegou a pensar que se ela tivesse matado o coitado, talvez tivéssemos nos livrado dela naquela ocasião. A minha irmã de sangue é a que mais sofre, porque a novata não a deixa em paz. Lilica é tão boba que não sabe impor limites. Quando está cansada da maluca, pede o colo da mamãe ou da vovó, só para fugir. Já a baixinha folgada, bem, continua como sempre: folgada. Dessa, o furacão não chega muito perto. As duas já até tiveram algumas brigas. Quanto a mim, não teve jeito, tive que aceitar. Ainda ficou muito bravo, às vezes, mas estou me adaptando. A única vantagem de se ter uma “irmã” na casa atrás da porta é que posso brincar de cabo de guerra com ela sempre que quiser (e é praticamente a única coisa que fazemos juntos), de resto, preferia quando erámos só eu e a mamãe. Espero que, depois dessa, mamãe tenha parado de pegar bichos por aí, senão, daqui a pouco, teremos que virar a Ong Salvador de quatro patas sem teto.

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