Talvez lá no começo, bem no início mesmo, as relações fossem um tanto quanto simples: eu precisava, você tinha e me oferecia e eu comprava. Fazia-se tudo ali mesmo, em estabelecimentos locais. A oferta era de porta em porta e a fama vinha do boca a boca. O “seu” Zé da quitanda sabia sobre sua vida e seus gostos, não porque ele investiu muito tempo e dinheiro para traçar o seu perfil, mas simplesmente, porque você era um morador do bairro e cliente constante. O anúncio era um cartaz feito à mão com as ofertas do dia na porta do estabelecimento e o crediário era o caderninho de fiados que, supostamente, seriam pagos ao final do mês. Ah! Estamos falando aqui do primeiro amor… Que, assim como uma criança a qual começa a descobrir o significado deste sentimento, mostra-se tímido, inocente e fiel. E, para manter-se, não era preciso muita coisa, bastava estar por perto.
A guerra acaba e com ela vem a revolução industrial. A produção em grande escala faz com que as empresas cresçam e, por isso, a concorrência aumenta drasticamente. A relação que até então era pura e pessoal, passou a ser mais determinada e banal, pois já não bastava só estar presente, eram necessários grandes gestos para que as marcas fossem notadas. A criança havia se tornado um adolescente e como tal, o drama e a popularidade eram partes essenciais de sua vida. Os anúncios deixaram de ser caseiros e passaram a ser veiculados em grandes meios, como: jornais, revistas, rádio e televisão. Foi nesta fase também que as serenatas surgiram, ou melhor, os jingles, como eram mais conhecidos no meio. Feitos para a grande massa, sem um público tão determinado, os mesmos fizeram um sucesso estrondoso e mantiveram-se por anos a fio, afinal quem não se sentiria seguro com o frio batendo em sua porta e as Casas Pernambucanas estando lá para aquecer o seu lar? E este relacionamento ganhou um nome, passou a se chamar marketing.
De tanto tentar ter o seu amor e de chamar sua atenção, o marketing acabou tornando-se um namorado ciumento. Para melhor satisfazer e entender o seu público, ele resolve dividir o mesmo em nichos específicos com características em comum, como: gênero, idade, grau de escolaridade, entre outros. E para obter essas informações ele constantemente te perguntava o que você estava fazendo, quais eram os seus gostos, suas preferências e vontades e o que mais fosse interessante saber. Passaram a te ligar frequentemente, fosse para oferecer produtos, fosse para saber um pouco mais sobre você. Não havia um lugar em que fosse onde ele não estivesse presente, fazendo-se notar, sendo isso necessário ou não. Algumas vezes esta sua atitude poderia até ser um pouco irritante, porém, no fundo, tal atenção te mantinha sempre ao lado dele.
A revolução digital mudou o mundo novamente e novos relacionamentos começaram a ser construídos em níveis globais com apenas um clique e o mínimo de interação. A quitanda do “seu” Zé virou um grande hortifrutti que atende não só seu bairro, como o estado inteiro. Ele não conhece mais, pessoalmente, nenhum de seus clientes, porém sente falta daquele relacionamento próximo, onde sabia tudo sobre você e como satisfazê-lo. O marketing então percebe que ele não poderia mais focar somente em nichos, porque mesmo colocando as pessoas dentro de um grupo, cada indivíduo é único. Então como fazer para entender e atender a cada um deles em meio a tantos? Fácil! Basta monitorar todos individualmente. E foi desta maneira que o marketing deixou de ser um namorado ciumento e tornou-se um stalker. Hoje em dia, ele sabe de tudo sobre sua vida sem ao menos precisar lhe perguntar. Com um levantamento de dados, ele consegue descobrir do que você gosta, seus receios, desejos, planos para o futuro, o que assiste, come, escuta; com quem fala, suas opiniões, suas preferências, para onde viajou este ano ou no ano anterior, seus relacionamentos, suas frustrações e tantas outras coisas. Afinal, a internet e seus recursos estão aí para todos. Ou seria somente coincidência aquele anúncio aparecer em suas redes sociais logo após você ter mostrado algum interesse sobre o assunto? Então, não se surpreenda se a sua marca preferida saber mais sobre você do que sua própria mãe. Mas não se preocupe em discutir a relação ou mesmo se questionar se ela é saudável ou não, porque na maioria das vezes esse relacionamento acaba em casamento.
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