Que o reino de Jinga estava em crise, isso era um fato incontestável! Crise moral, ética, civil, econômica e também, por que não dizer, de bom senso? “Não temos estradas…”, “Nossas pontes caem…”, “Está faltando médico…”, “Precisamos de mais justiça e segurança!”, eram as frases de insatisfação mais comuns que ecoavam pelas ruas. O rei então, cansado de tanta reclamação, resolveu fazer um decreto:
“A partir desta data, não serão mais tolerados os ensinamentos de assuntos como: geografia, história, filosofia e literatura. Tampouco serão aceitos em nosso reino, profissionais das áreas acima citadas.”
O povo ficou alvoroçado com a notícia. Declaravam que o rei era muito sábio, afinal quem é que precisava de filósofos e historiadores? A cidade necessitava mesmo era de bons engenheiros, médicos e advogados. E o impacto de tal decisão foi muito positivo, principalmente nos primeiros anos. Quem já exercia as profissões de prestígio continuou a fazê-las e quem foi proibido de executar seus ofícios, trocou de área ou mudou-se para outra cidade. Não havia mais vagabundos pelas ruas recitando poemas ou contando histórias. O monarca estava feliz da vida, afinal, os resultados estavam ali para todos verem. Nunca, em toda a história daquele reino, eles tiveram uma melhor infraestrutura e aquela quantidade absurda de médicos ou advogados em ofício. Porém, pensando bem, nem mesmo o rei poderia dar esta informação com precisão, já que ninguém mais ali sabia sobre o passado daquele lugar. Mas mesmo com todos os benefícios, o soberano logo percebeu que enquanto alguns regorjeavam em júbilo, outros continuavam insatisfeitos. Os que ali produziam grãos e criavam animais logo resolveram reivindicar sua partilha e argumentaram que o povo não precisava de ciências e biologia. Para que ensinar tais assuntos se a natureza só servia para ser explorada e tentar lutar por sua preservação só atrapalhava o desenvolvimento e o progresso da nação? Seguindo esta lógica, o rei decretou:
“A partir desta data, não mais serão tolerados os biólogos e cientistas, tampouco os entusiastas naturalistas que insistem em defender aquilo que não é gente.”
Os pastos cresceram, as produções de carne e cereais triplicaram, bem como as exportações e a economia. Os agricultores estavam certos, aqueles ambientalistas só serviam para defender os direitos daquilo que a gente comia. Quem poderia imaginar que uma medida tão simples traria tantos benefícios? O rei estava em êxtase! Ficaria marcado como o maior monarca que aquela dinastia já teve. Mas que linhagem era aquela? E onde seria marcado? Já não havia mais livros ou registros da história de seu povo, ou mesmo pessoas para contar a sua saga. Isso era inadmissível! Justa agora que, por suas mãos, o reino prosperava? Resolveu, então, outra lei criar:
“A história será permitida, bem como aqueles que vivem dela a contar. Porém somente as façanhas de nossa grande nação ficarão autorizadas, pois o passado pouco importa e o futuro é agora.”
Com isso, grandes odes foram contadas sobre o rei que fora enviado pelos Deuses. E, por causa desta fama, o poder lhe subiu a cabeça e sua vontade, quis tornar absoluta. Não seria difícil, já que em seu reino, ninguém mais pensava por si só. E, por se achar tão especial, um último decreto anunciou:
“Minhas vontades serão lei e tudo que digo e penso, verdades incontestáveis. Aqueles que ousarem contrariá-las, punidos serão por pouco pensar.”
Você, com certeza, nunca ouviu falar de Jinga e, para ser sincera, eu tampouco. Mas como uma nação que se dizia tão próspera acabou caindo no esquecimento? Alguns dizem que, até mesmo atividades na época tão exaltadas, das quais exigiam raciocínio lógico, eventualmente ficaram defasadas, isso porque os cidadãos, por perderem a habilidade de questionar e interpretar as situações, já não exerciam suas tarefas com eficácia. Outros contam que, por ignorar o passado, seu declínio fora cometer erros antigos que já haviam sido solucionados. Há ainda quem diga que eles aprenderam, da pior maneira, o que conceitos como: aquecimento global, efeito estufa, desmatamento ou preservação de espécies; significavam. Porém, tudo isso é somente especulação, já que nenhum registro desta nação restou. Quase como se ela fosse uma invenção. Não sabemos explicar, mas talvez se soubessem filosofar, teriam conhecido René Descartes com sua máxima “Penso, logo existo”.