Lugar de Mulher

                Estes dias deparei-me com uma polêmica que houve na cidade envolvendo uma exposição de fotografias sobre o universo feminino e a prefeitura. Alguns quadros do acervo foram retirados por ordem do prefeito por conter, segundo suas palavras, “manifestações político-partidárias”. As fotos em questão eram do movimento “Ele não”, protesto que ocorreu durante as eleições do ano passado e que foi organizado por pessoas, em sua maioria mulheres, que não concordavam com as ideias e opiniões de um, até então, candidato à presidência. O ato da prefeitura gerou uma discussão: aquilo era ou não uma censura?

                Deixando de lado toda a questão da violação de direitos que o caso envolve, pois o tema já foi bastante debatido, eu gostaria de chamar a atenção de vocês para outro assunto. Que toda manifestação é política, isso é fato, já que elas ocorrem quando um grupo vê seus direitos feridos e luta por eles. Mas dizer que o movimento “Ele não” era partidário? Será? Penso que a indignação daquelas que se manifestaram sempre foi contra as ideias retrógadas, machistas e misóginas proliferadas e não contra um candidato ou partido em específico. É lógico que o alvo acabou sendo o presidencial em questão, já que o mesmo era quem escrachava tais preceitos, porém acredito que a reação seria a mesma qualquer que fosse o candidato ou partido que apoiasse tais ideias.  A questão sempre foi ideológica e não partidária. Então, o ato de retirar da exposição justamente as fotos que retratam tal movimento não seria, além de censura, uma represália contra as mulheres? Se o conjunto de obras relatava o universo feminino, por que o mesmo não poderia conter fotos de mulheres lutando pelo seu direito de não serem inferiorizadas ou ridicularizadas? Ou o universo feminino somente se limita à gestação, beleza e sensibilidade!?  Será que não nos cabe este papel?

               Cada indivíduo inserido em uma sociedade sempre foi definido de acordo com a função que ele, em algum momento de sua vida, passaria a exercer dentro da mesma, e as mulheres não fogem à regra. Lá nos primórdios da humanidade, quando tudo ainda era mato, nossos ancestrais, os hominídeos, viviam por extinto, assim como os animais. Então basta observar grupos das mais variadas espécies para perceber que esta divisão de tarefas já era uma verdade dentro da nossa história. Depois de várias evoluções, o Homo passa a ser Sapiens e com o crescimento do cérebro vem também a noção de solidariedade própria da família. Os casais passam a ser mais estáveis e a cuidar junto dos filhos, que deixam de serem crias. O homem era nômade e vivia em grupos pequenos, sendo o sustento gerado da caça e coleta. Porém, ao contrário da crendice popular, a função de prover o alimento era trabalho de todos, independentemente do gênero. Apesar de os homens da época, comumente, caçarem, isso não significava que mulheres e crianças não pudessem participar. Além disso, a coleta, que era feita majoritariamente por mulheres, compunha 70% da alimentação daquele grupo. Por isso, a ideia de que era função do homem prover e das mulheres somente cuidar dos filhos ou procriar é tão errônea quanto dizer que a Terra é plana. Então, se os primeiros Sapiens já eram tão igualitários, como retrocedemos tanto nesta questão?

           Para responder esta pergunta teríamos que transcorrer por toda a parte sociológica da humanidade, o que nos demandaria muito tempo e conhecimento. Porém, é certo afirmar que a mulher foi subjugada e suprimida de seus direitos como ser pensante ao longo dos anos. Independente de no que recaia a “culpa”, seja ela política ou religiosa, o fato é que a figura feminina acaba tornando-se um alvo constante de perseguições por toda a história da humanidade. Com isso, sua imagem de companheira é deteriorada à mera posse de seu parceiro. Sua utilidade na sociedade passa a ser somente procriar e cuidar do lar, sem direito a opiniões ou desejos. A crença de que a mulher deve se por em seu devido lugar é passada de geração a geração, enraizada tão profundamente na sociedade que até mesmo as próprias mulheres compactuam deste pensamento. Isso acontece por anos a fio, até que as primeiras manifestações a favor do direito da mulher ao voto começam, balançando novamente as estruturas de toda a história.

                Então, lutar por seu direito de ir e vir, de poder pensar, manifestar, criar e ter seu próprio espaço, enfim, de ser tratada como um exemplar da espécie humana como igual faz tanto parte do universo feminino quanto a maternidade. Pensar o contrário seria ressaltar o que queremos tanto, com a nossa voz, acabar.

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