Era a primeira vez que os meninos iam acampar. Só conseguiam falar disso a semana toda: o que levariam, como seria, o que fariam, o que esperavam. Marisa estava se questionando se tinha tomado a decisão correta quando deixou que os filhos fossem com os amigos da escola para um acampamento de férias. Tudo bem que seria somente um feriado prolongado em um lugar fechado e monitorado 24h, mesmo assim nunca tinha deixado seus filhos ficarem tão longe assim de casa por tanto tempo e isso lhe apertava o coração. Eles colocaram as últimas malas no carro e pegaram estrada.
A placa dizia: “Recanto dos Rouxinóis”, Gustavo resmungou dizendo que aquilo não era nome de acampamento, já Fernando, que era mais novo, estava tão empolgado que nem se importou se o sítio teria nome de unicórnios, com tanto que ele estivesse logo montando sua barraca e preparando seus equipamentos de caça ao tesouro. Marisa estacionou o carro na frente do prédio principal e enquanto funcionários ajudavam a descarregar as bagagens ela conversou com um monitor responsável mais uma vez, só para se certificar de que seus filhos realmente estariam seguros naquele lugar. Depois deu um beijo na testa de cada um e partiu de volta para casa.
Durante os dias tiveram algumas lições de biologia e sobrevivência na natureza, competições como gincanas e tarefas que pontuavam para ao final saber qual time seria o vencedor do acampamento daquele ano e mais um punhado de outras coisas. À noite geralmente estavam tão cansados que acabavam todos dormindo muito cedo em suas barracas, porém em uma dessas noites resolveram acender uma fogueira e contar histórias de terror sob a luz da lua.
– E então ela se virou e viu o fantasma do tio dela, saiu correndo e correu e correu até que finalmente ela percebeu que estava sonhando e aquilo não passava de um pesadelo. – Um dos meninos do acampamento encerrou sua história com a lanterna apontada para o rosto. Passados alguns minutos de silêncio, Gustavo não aguentou e começou a rir.
– É só isso que conseguem fazer? Um bando de vampiros, lobisomens e fantasmas? Até o Fernando consegue inventar uma história melhor e olha que ele é um bebê chorão.
– Não sou um bebê chorão – Fernando disse, mostrando a língua para o irmão.
– Então prova que você consegue fazer melhor! – um dos garotos desafiou.
– É claro que consigo, não precisa de muito esforço para isso – Gustavo disse com desdém.
– Ei pessoal, calem a boca! – Fernando disse olhando para as árvores. – Estão escutando?
Um vento forte começou a bater e as folhas das árvores começaram a sacolejar. Ruídos começaram a surgir de dentro da floresta.
– Não deve ser nada, aposto que vai começar a chover – Gustavo afirmou.
Assim que o menino terminou sua frase um estrondo de um trovão ecoou do outro lado do campo seguido de um raio que caíra a poucos metros de onde estavam. Alguns pularam com o susto e outros só observaram, até que os monitores pediram para que todos entrassem em suas barracas. Mas antes que fizessem qualquer movimento, outro barulho, muito mais agudo, veio de dentro da mata chamando suas atenções. De repente, uma chuva torrencial começou a despencar do céu. Tinha algo de errado com aquela chuva, não era normal! Vários animais, de todos os tipos, começaram descer das montanhas e correr em direção ao acampamento. Os meninos, a esta altura, já corriam desnorteados de um lado ao outro gritando desesperados, com medo de serem pisoteados. Os animais continuavam a passar, levando tudo o que encontrassem em sua frente. Várias barracas foram destruídas e a fogueira virou cinzas no meio da clareira. Quando finalmente a manada cessou e eles se sentiram seguros novamente perceberam que o chão tremia. Pensaram que talvez fosse outra manada saindo de seus esconderijos, porém o solo não parava de se movimentar sob seus pés. Um terremoto? Como aquilo era possível? Mas não era um terremoto qualquer, fendas enormes estavam sendo abertas sob seus pés. Fernando abraçou o irmão quando viu que outro garoto foi engolido por uma cratera que acabara de se formar, sugando tudo o que estava a sua volta para dentro dela. O chão começou a se abrir entre os meninos também e não conseguindo mais se segurar no irmão mais velho, Fernando foi puxado para dentro do buraco. Gustavo correu e conseguiu segurar a mão do irmão tentando puxá-lo para cima novamente, enquanto o outro gritava e se debatia de medo. Ele gritou por ajuda, mas todos a sua volta também lutavam por suas vidas e o menino se viu sozinho na tarefa de salvar seu irmão. Puxou uma, duas, três vezes, mas o corpo do pequeno só pesava cada vez mais, até que em um lapso de segundo sua mão escorregou e Fernando caiu gritando dentro da fenda profunda que se formara.
– O que vocês ainda estão fazendo acordados? Vou descontar pontos de suas equipes se não forem para suas barracas nesse exato minuto. – Um dos monitores apareceu na borda da clareira dando bronca nos meninos que pareciam petrificados em volta da fogueira. Ele se aproximou, olhou em volta e começou o sermão novamente. – Estou falando sério, vamos, andem! Amanhã teremos atividades logo cedo.
Um a um dos meninos voltou à realidade e saiu correndo para suas barracas. Gustavo puxou o irmão pelo braço e também foi para seus dormitórios.
– O que foi aquilo? – Gustavo perguntou atônito.
– Gostou não foi? Ficou com medo não é? Todos ficaram! E você disse que eu era um bebê chorão que não sabia contar histórias.