O Aluno

João era um senhor na casa dos seus quase oitenta anos que morava em uma cidadezinha do interior, muito simples e bem afastada da metrópole mais próxima. Todo seu sustento e de sua família fora retirado das lavouras e das colheitas, não conhecia outro tipo de vida e, apesar de ter sido dura e muito custosa, tinha orgulho do que conquistara até ali. Agora já não conseguia mais trabalhar com a terra, também pudera, tantos dias debaixo do sol escaldante colhendo dela seus frutos não é para qualquer um! Ainda tinha uma força de vontade incrível, mas seu corpo e saúde não lhe ajudavam mais. Hoje era sozinho, sua companheira há muito havia partido e depois que os filhos saíram da cidade se recusando a ter a mesma vida que ele levara, nunca mais os vira. Não sabia de muita coisa, nunca tivera a oportunidade de estudar, sua vida inteira fora a terra, porém carregara sempre consigo a vontade de aprender a ler. Era por isso que havia se emocionado quando, naquele ano, a primeira escola primaria da cidade fora inaugurada.

– Quero fazer uma matrícula – João disse à professora que estava recebendo os alunos na porta da escola.

– Claro! Se o senhor estiver com todos os documentos da criança em mãos é só ir até aquela salinha aos fundos que a secretária irá ajudá-lo com isso – a moça respondeu sorridente.

– Criança? Não, não! Eu quero fazer a minha matrícula – ele retrucou feliz. A mulher arregalou os olhos de espanto.

– Desculpe meu senhor, esta é uma escola de jardim e primário, talvez você encontre o que procura na cidade – ela respondeu encabulada.

– Minhas pernas já não me deixam mais fazer viagens tão longas. Eu posso estudar com as crianças, não há problema algum para mim nisso – João respondeu sorridente, indiferente ao constrangimento da jovem a sua frente.

– Sinto muito, mas não há lugar para o senhor aqui – ela respondeu certeira, porém estava destroçada por dentro. O homem desfez o sorriso e encarou a mulher com certa dúvida nos olhos. Ela terminou de receber as últimas crianças que chegavam e fechou o portão, deixando João sozinho.

Nas manhãs seguintes, a jovem professora se deparou com o senhor magro e curvo de cabelos grisalhos que a havia abordado no primeiro dia de aula. Ele nunca falara novamente com ela, ficava ali parado no portão com um caderno e um estojo na mão. A cena era de partir o coração. Se aquele senhor estava com tanta vontade de estudar qual era o problema em deixá-lo entrar? O pensamento lhe atormentava noite e dia, se fosse só por sua vontade já teria deixado o pobre coitado entrar, mas sabia que seria um alvoroço na cidade se algo assim acontecesse. Certa manhã, lá estava ele de novo com o seu caderno e estojo nas mãos, molhado da cabeça aos pés por causa da chuva que caia.

– Vamos, entre. Não quero ser responsável por sua pneumonia. – O senhor abriu um sorriso largo e seguiu a jovem até a sala.

Todas as semanas lá estava João, com seu caderno e estojo nas mãos. Era o primeiro a chegar e o último a sair. Prestava atenção em cada palavra que a professora dizia, fazia todas as lições e nunca faltava. Até mesmo levara alguns livros didáticos para casa a fim de recuperar o tempo perdido. Dava gosto de ver um senhor naquela idade estudar com tanto afinco. As crianças já haviam se acostumado com ele, gostavam de lhe ensinar cada letra do alfabeto e se divertiam com as coisas engraçadas e diferentes que o velho dizia. Até conseguirem a autorização da secretaria da educação sua estadia na escola fora uma luta difícil. Como a professora previra, alguns pais fizeram de tudo para que João fosse expulso daquele ambiente escolar, porém a jovem educadora estava determinada a lutar por ele, e tanta dedicação acabou sendo vitoriosa ao final. Os boatos e comentários de mau gosto ainda rodavam pela cidade. Onde já se viu um homem daquela idade querer aprender alguma coisa agora? Onde estava com a cabeça? Eu que não quero o meu filho perto de um louco como aquele! João ouvia a todos sem se importar com nenhum deles, nunca estivera tão realizado.

Em uma manhã de primavera, quase no final do semestre, João entrou na sala onde somente havia a professora, com lágrimas nos olhos e uma carta nas mãos.

– Srta. Elena, eu aprendi a ler! Há muito tenho essa carta guardada em minhas gavetas e nunca nem soube de quem era ou do que se tratava, graças à senhora agora eu sei. – Ele esticou o braço para que a mulher pudesse pegar o pedaço de papel.

“Querido pai, sei que minha despedida não foi uma das melhores e que fiquei muitos anos afastado, fingindo não ter uma família. Tinha vergonha por ter uma vida e pais tão simples! Eu era jovem e imaturo, não sabia o valor das coisas, porém hoje eu sei, agora consigo entender tudo que o senhor fez por toda nossa família. Estou escrevendo pois quero reatar nossos laços e fazer com que o seu neto conheça esse homem maravilhoso que o senhor é. Sei que encontrará um jeito de ler esta carta, pois você é assim, e ficarei ansioso esperando por sua resposta.”

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