Paulo estava em frente ao espelho tentando acertar o nó da gravata, enquanto ensaiava o que iria falar na reunião da empresa daquela manhã. “Droga! Isso ainda não está bom e eu já estou atrasado.”, resmungou. Quando finalmente se deu por satisfeito, pegou sua maleta e assim que alcançou a porta, escutou a campainha.
– Sr. Paulo Mendes? Sou Bete da assistência social. Tem um minuto? – a moça de meia idade e óculos parada em sua porta anunciou sem muita delonga.
– Na verdade eu estava agora mesmo…
–Você conhece a Aline Dantas? – a mulher interrompeu-o.
– Sim, é a minha ex. Algum problema com ela? – Paulo respondeu incerto.
– O senhor não deve saber, mas a Srta. Aline faleceu em um acidente de carro há algumas semanas e ela deixou instruções específicas para que a guarda de sua filha fosse dadaao pai, Paulo Mendes.
Paulo olhou atônito para a mulher a sua frente, o ar, de repente, faltando em seu pulmão. Ele largou a maleta no chão e afrouxou o nó da gravata.
– Deve haver algum engano! Eu não tenho notícias de Aline há mais de um ano e… Meu Deus! Aline está morta? – A mulher continuou a encará-lo sem se abalar. – Mas eu não posso ser o pai! Eu nem sabia que ela estava grávida e…
A mulher deu alguns passos para o lado e abriu espaço a um rapaz o qual trazia no colo uma linda criança vestida em um body rosa com uma tiara de laço na cabeça. A pequena menina sorriu para Paulo, abrindo e fechando as mãozinhas em sua direção.
– Sei que é muita informação para processar. Podemos entrar e conversar um pouco a respeito?
Paulo acenou mecanicamente com a cabeça, ainda encarando a pequena nos braços do rapaz. Abriu espaço para que os dois estranhos entrassem.
Lá estava ele sentado no sofá, encarando o pequeno bebê deitado na cadeirinha ao seu lado. “Onde estava com a cabeça quando aceitou que a menina ficasse em sua casa até as coisas se resolverem? Mal sabia dar nó em gravata, quanto mais cuidar de uma criança!”, pensou. A pequena esticou o braço e pegou o dedo de Paulo, balançando-o e rindo. Ele sorriu de volta e respirou fundo. Não poderia simplesmente largar a menina em um abrigo qualquer e, de qualquer forma, seria por pouco tempo, os avós já estavam atrás das papeladas para conseguir a guarda da criança.
– Ei! Seu nome é Bianca, não? Acho que vamos passar algum tempo juntos – ele disse sacudindo o dedo que a menina ainda segurava e a mesma sorriu.
Sentia-se mais animado, afinal, o quão difícil poderia ser cuidar de um bebê por algumas poucas semanas? Era só alimentar, trocar fralda, dar banho e colocar para dormir, não é mesmo? Uma pequena mudança em sua rotina não seria o fim do mundo.
Quem inventou os bebês definitivamente estava pensando na extinção da raça humana quando o fez, porque nenhuma pessoa, em sã consciência, iria querer outro depois de passar por tal experiência. Aquele ser era uma máquina de choro e fraldas sujas! Paulo estava exausto. Não dormia mais, seu desempenho no trabalho estava péssimo e sua vida social tinha sido reduzida a nada; tudo isso em apenas DUAS semanas! O poder destrutivo daquela miniatura de gente era impressionante. Ele não entendia como sua vizinha conseguia achar que Bianca era uma criança boazinha e adorável. Com certeza, a pequena meliante comportava-se enquanto estava sob os cuidados da moça e guardava toda sua energia e reclamações para quando Paulo chegasse em casa. Tudo devidamente orquestrado a fim de transformar sua vida em um inferno! Todos os dias, ligava desesperado para a assistente social a fim de saber como andavam os tramites da guarda de Bianca e sempre recebia a mesma resposta inconclusiva sobre o assunto.
As semanas viraram meses. Paulo agora entendia o que cada choro de Bianca significava: hora de comer, trocar a fralda, gases e só manha. Já sabia do que a menina gostava e do que desgostava. E conforme o tempo passava, menos trabalho a criança dava. Aprendeu a fazer papinha de bebê, a cantar para ela enquanto a ninava, a escolher as roupas certas para cada ocasião e temperatura. Encheu-se de orgulho quando viu que ela conseguia identificar formas geométricas, cores e tantas outras coisas mais. Parou de ligar tão constantemente para a assistente social, pois, de uma hora para outra, seu coração apertava toda vez que pensava em ter que deixar a pequena criança.
Paulo assistia, como agora era de costume, seus desenhos favoritos de infância com Bianca, e fazia questão de salientar à menina o porquê de os mesmos serem tão especiais e instrutivos;quando a menina começou a resmungar.
– Pa-pa, pa-pa… – ela disse enquanto esticava os braços para pedir colo.
– Do que foi que me chamou? – Paulo perguntou emocionado.
– Pa-pa, pa-pa… – a menina continuou. Paulo, emocionado, sorriu e puxou Bianca para os braços, onde a mesma aconchegou-se.
Na manhã seguinte, ele ligou para o escritório avisando que não iria trabalhar, já que cuidaria, com urgência, de alguns assuntos pessoais, pois, na noite anterior,havia se tornado pai.