A terra de Babel

Alguns dizem que é só seguir por um caminho tortuoso que começa ali e vai para lugar algum, já outros, que precisamos seguir o curso do rio até as entranhas da floresta longínqua, mas a verdade é que não importa qual seja o caminho que se tome, a única coisa em comum é o fato de ser quase impossível de se chegar. Entre montanhas quase tão altas que tocam o céu e florestas inexploradas dos confins do mundo se encontra uma pequena cidade onde a tecnologia ainda não chegou e a paisagem o homem quase não mudou. Tal isolamento já a torna uma joia rara nos dias de hoje, porém, se não bastasse, ela ainda conta com outro fato quase tão peculiar quanto seu surgimento: cada um de seus habitantes fala uma língua diferente. Como isso é possível? Ninguém sabe. Mas é certo que, mesmo sendo no máximo algumas pessoas de uma mesma família que conseguem se comunicar em um mesmo dialeto, o comércio, as transações e o convívio fluem como se todas se entendessem muito bem e de fato, de algum jeito, se entendem.

Certo dia um forasteiro apareceu. Ele ficou maravilhado com aquele pequeno vilarejo e com as pessoas que o habitavam e logo percebeu que não havia uma língua em comum, que cada um tinha seu jeito próprio de se comunicar. Achou tudo aquilo muito estranho, mas viu uma oportunidade no ar, de onde ele vinha não era ninguém, mas ali, naquele lugar, poderia ser rei se fizesse com que aquelas pessoas perceberem que havia um jeito de todas falarem a mesma língua. Então colocou seu plano em ação: elegeu o idioma que mais lhe agradava, montou uma escola e espalhou a novidade. Em pouco tempo cada vez mais curiosos e inocentes atendiam as suas aulas, querendo conferir o mais novo empreendimento do vilarejo e se encantando com a nova forma de se pronunciar.

Meses se passaram e o forasteiro não poderia estar mais contente, seu plano ia de vento em polpa, quase todos da cidade já falavam a língua que ele havia escolhido e ele era tratado como uma celebridade entre as pessoas. O lugar já mostrava alguns sinais de mudança: novos comércios e oportunidades. Era certo que o vilarejo se expandiria e se continuasse assim, seria reconhecido no mundo moderno e o forasteiro seria o bem feitor que fez com que tudo aquilo acontecesse. Porém coisas estranhas começaram a acontecer junto com a expansão da cidade. Brigas nas ruas, discussões entre vizinhos, pequenos furtos e roubos, que nunca antes foram vistos começaram a aparecer. As pessoas já não eram mais tão felizes, viviam com as caras emburradas e por muito pouco perdiam a paciência uns com os outros. O ódio e o preconceito, nunca antes pronunciados, agora haviam se instalado ali. Já não mais era a mesma cidade que o forasteiro tanto admirara assim que havia chegado a ela. Talvez fosse somente questão de adaptação, logo tudo se ajeitaria novamente, pelo menos assim ele esperava. Contudo, em uma noite de verão, o pior aconteceu. Não soube como começou e nem como proceder, só se lembra de ter acordado em sua casa com os gritos histéricos das pessoas nas ruas e logo correu para ver do que se tratava. Uma das casas havia pegado fogo. Alguns tentavam apagá-lo enquanto outros queriam entender o que tinha acontecido. Não demoraram a descobrir que o fogo havia sido proposital, o primeiro crime com vítimas fatais da história do vilarejo havia acontecido, duas pessoas haviam morrido por culpa da intolerância que agora existia. Desgostoso, o forasteiro decidiu ir embora da cidade na manhã seguinte e arrumou suas coisas. Não entendia o porquê daquilo estar acontecendo, pensou que o vilarejo era uma causa perdida no final das contas, por isso a tanto fora esquecido. A melhora na comunicação deveria ter trazido progresso e não desordem. Pegou sua mala e partiu, sem nunca mais olhar para trás.

A cidade nunca mais fora a mesma. Com o tempo, assim como o forasteiro havia previsto, ele ficou conhecida no mundo moderno, mas nunca teria nada de especial se comparada a qualquer outro lugar. Os habitantes nem se lembravam mais do porquê de terem vivido tão isolados por tanto tempo e o que os tornavam tão diferentes. O forasteiro acertou em todas suas previsões, porém não percebeu que o que a fazia o vilarejo tão especial e o que realmente havia lhe encantado era justamente a forma de comunicação única que ela possuía. Com certeza tinha suas limitações, mas foi assim que os habitantes do lugar aprenderam a respeitar as diferenças uns dos outros e a, principalmente, pensar antes de falar. Viviam uma vida simples e não tinham espaço para dizer mais do que deveriam. Agora que podiam se expressar da maneira que quisessem, não pensavam duas vezes antes de falar e foi exatamente neste ponto que acabaram esquecendo o valor das palavras. O forasteiro fez com que ganhassem o mundo, mas perdessem o que era essencial.

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