Seu vestido era armado demais para aqueles corredores apertados, à medida que andava o tecido esbarrava de um lado a outro nas prateleiras de livros sem fim, levando grande parte deles ao chão. Não sabia onde estava e nem o que fazia ali. Tinha fugido do baile correndo, pois já era quase meia noite e a mágica acabaria, mas ao invés de parar em sua casa dentro do pequeno vilarejo, lá estava ela, naquele lugar desconhecido. Saiu da sala, desceu algumas escadas, virou em alguns corredores e entrou em outro aposento. Escutou risadas. Finalmente! Encontrara alguém que pudesse lhe dizer o que estava acontecendo.
– Com licença senhores, algum de vocês poderia dizer-me onde estou? – Ela levantou a mão tentando chamar a atenção dos dois sujeitos, ambos com vestimentas um tanto quanto esquisitas e um deles levava um cachimbo na boca. Os dois pararam a conversa e a olharam de cima a baixo.
– Outra novata, Poirot! – o homem disse soltando fumaça para o alto.
– Outra novata, Holmes – o outro repetiu ainda encarando a pobre moça. – E parece-me que veio da seção infantil. Qual é o seu nome minha jovem?
– Cinderela – ela respondeu um tanto confusa. O que seria uma seção infantil? Com certeza não era o nome da vila onde vivia.
– Cinderela ela diz – o homem com o cachimbo repetiu e o outro acenou. – Mais e mais deles estão chegando ultimamente, estamos deixando passar alguma coisa, Poirot.
– Com certeza, caro amigo! É nosso trabalho investigar este mistério – o outro respondeu e com isso ambos entraram novamente em uma discussão, ignorando por completo a presença da moça em seu vestido rodado.
Cinderela desistiu de tentar achar uma resposta com aqueles dois e deixou-os com seus devaneios, foi procurar outro alguém que pudesse lhe ajudar. Caminhou mais um pouco até que chegou noutra sala, muito maior que a última, com enfeites estranhos pendurados no teto e mesas espalhadas por todo o salão. Mais vozes. Muitas delas! A moça animou-se, quem sabe ali finalmente teria alguém que pudesse lhe ajudar. Seus passos a guiou até a fonte das conversas e quando lá chegou achou que estava em outro baile. Eram tantas pessoas, todas tão diferentes que achou que poderia ser uma festa a fantasia. Cinderela não sabia, mas ali estavam, todos juntos, soldados da Segunda Guerra, samurais japoneses, dúzias e dúzias de casais românticos e tantos outros personagens das mais variadas histórias. Uma menina passava pelas prateleiras, roubando livros delas e colocando-os debaixo do vestido. Dois meninos corriam pelo salão, riam alegres brincando de pega-pega. Mas que estranho? Um deles parecia trajar um pijama?! Uma mulher com um macacão que parecia em chamas atirava flechas sem parar em um alvo já cansado de tanto ser almejado. A princesa levou um susto quando, de repente, um moleque de óculos e uma marca na testa passou por ela voando em sua vassoura.
– Ei Potter, tome cuidado com isso, já não basta o acidente que tivemos na semana passada! – Um senhor com uma barba tão grande quanto seu cabelo e branca como a neve se aproximou da novata. – Esses garotos! Tão cheios de energia. – Ele abaixou a cabeça fazendo uma reverência à mulher. – Você é nova por aqui, não? Não me lembro de já tê-la visto por aqui.
– Sim! Você poderia dizer-me onde estou? – Ela parecia aliviada. – Não sei como vim parar neste lugar. – O mago deu uma risada amigável, depois virou para a multidão parecendo procurar por alguém, logo uma sombra de reconhecimento passou por seus olhos.
– Merlin, meu caro, temos mais uma aqui para esclarecer tudo que se passa neste lugar. – Um outro senhor, também de barbas e cabelos brancos e longos, se destacou em meio aos outros caminhando ao encontro do amigo e da jovem moça. Aquele que já estava com Cinderela voltou-se novamente para ela. – Meu nome é Gandalf e aquele velho rabugento que vem ali é Merlin, fique tranquila, pois tentaremos sanar todas suas dúvidas.
Assim que o outro mago se juntou a dupla os dois transcorreram sobre a magia que encantava aquele lugar. Explicaram a Cinderela que estavam em uma biblioteca, um lugar onde as pessoas iam quando queriam ler ou estudar, dentro daquilo que eles chamavam de mundo de lá e que todos eles faziam parte das histórias que aqueles livros contavam. Não souberam explicar ao certo o porquê daquela magia, pois as lendas remontavam de anos atrás, mas era de conhecimento geral que um mago muito antigo e poderoso em sua terra um feitiço lançou e com isso a maldição da noite naquele lugar começou. Assim que o Sol se punha, naquela biblioteca, daquela determinada cidade, alguns dos personagens de seus livros criavam vida e com ela permaneciam até o nascer do Sol do outro dia. Todas as noites eram assim e cada vez mais personagens apareciam, desbravavam o mundo de lá e logo voltavam as suas terras, seus reinos, suas casas, suas fantasias.